quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ai, Palavras, ai, palavras...

A palavra reflete o homem, ao mesmo tempo que dele surge. O que seríamos nós, seres isolados, solitários e sem expressão, se não fosse pelo dom da palavra? A palavra figura o poder que temos de expressar nossos pensamentos, dúvidas, ideais e ideias, medos e angústias, nossas aspirações e suspiros de desejos e enganos. Tudo que é abstrato e etéreo, e faz parte do mundo interior que todos nós carregamos em nossas mentes e corações, se faz real por meio da palavra, mesmo que não dita, seja ela apenas pensada. Real na medida em que extrapola nossa consciência e alcança o mundo que é compartilhado entre nossos iguais. Real na medida em que se cria e é criada por nós, sendo assim, dos seres humanos, uma extensão. Uma extensão do que é ser humano, um ser que cria e se recria a cada palavra. Um ser que inventa, muda, destrói e constrói, sempre mediante a palavra, que lhe é escrava e rainha, da qual é e sempre será servo e também, e ainda, rei. Qual o limite do pensamento inventivo do homem? Esse, então, será o limite da palavra. Portanto, se, de acordo com o dito popular, "palavra fora da boca, é pedra fora da mão" podemos entender, ainda, que tanto pode ser pedra que machuca como pedra de salvação. Por que não?

Sobre o texto:

Romance LIII ou das Palavras Aéreas in: MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1985, p. 442-94.
Atividade de Português I - Direito 1º Período

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vista Cansada

Durante nosso primeiro painel de ontem, na VI Jornada Jurídica da UNDB, nosso palestrante, Prof. Ms. Nicolau Lupianhes, mencionou esse texto para leitura e reflexão. Li e achei ótimo, por isso compartilho aqui com vcs!=)


Vista cansada (Otto Lara Resende)

Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.

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Que nós possamos seguir vendo as coisas e pessoas ao nosso redor como se fosse pela primeira vez!!
Beijosss e até a próxima!